
Jean Wyllys: "O movimento GLBT chegou"
 O deputado estreante pretende propor o casamento civil entre pessoas do  mesmo sexo, uma evolução da união civil
 ÉPOCA – Qual é a pauta da Frente  GLBT?
Jean Wyllys – Primeiro, a defesa do projeto  Escola Sem Homofobia. Depois, também vou protocolar o projeto de casamento civil  [entre pessoas do mesmo sexo]. Vou propor e protocolar no dia do lançamento da  frente. Existe um projeto tramitando de união estável, nós vamos propor outro.  Não é “casamento gay”. Quando a imprensa coloca assim, provoca um equívoco  quanto à noção do sacramento do casamento. Não estamos tratando disso, mas de um  direito civil. O Estado é laico e o casamento é um direito civil, ele tem que  ser estendido ao conjunto da população, independente da orientação sexual e  identidade de gênero. Se os homossexuais têm todos os deveres civis, então têm  que ter todos os direitos. É assim que funciona uma república democrática de  verdade.
 ÉPOCA – E o projeto que criminaliza a  homofobia?
Jean Wyllys – O projeto que criminaliza  a homofobia foi desarquivado agora pela senadora Marta Suplicy, que faz parte da  Frente no Senado. Esse projeto altera a lei do racismo e inclui discriminações  por identidade de gênero e orientação sexual. Essa lei não vai proibir ninguém  de continuar odiando homossexual, para aqueles que odeiam. Quem quiser que  continue alimentando seus ódios, privadamente. É um direito. Agora, publicamente  ela não pode impedir um homossexual de acessar um direito e nem de expressar  publicamente a sua sexualidade. E quase sempre o homossexual é impedido de  acessar um direito e expressar sua homossexualidade de maneira  violenta.
ÉPOCA – Como é a reação a suas  ideias?
Wyllys – Meu Facebook foi tirado do ar em  uma ação orquestrada. É natural que minha presença na Câmara provoque uma  reação. O movimento GLBT chegou ao Congresso. Por enquanto, não tive muito  contato com os deputados da bancada evangélica e cristã. Vou ter esse contato  porque estou reestruturando a Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT. Ela  existiu com o nome Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, mas como a  maioria das frentes aqui, não tinha uma agenda de atividades e ação concreta. A  primeira decisão que tive, depois de uma conversa com a Associação GLBT, é que a  frente vai funcionar de verdade. Acho que há condições de criar um ambiente  propício. Mesmo no contato com a bancada evangélica, embora muitos deputados  tenham se colocado publicamente. Eu acredito no meu papel pedagógico, de sentar  e explicar as questões que merecem ser explicadas para que os preconceitos sejam  derrubados. Eu não sei se vai haver terreno fértil do outro lado. Mas para mim o  exercício da política é esse.
ÉPOCA – Como vê a reação contra o  programa que combate a homofobia na escola?
Wyllys –  É uma ignorância que persiste por má-fé. O material não ameaça os  valores cristãos. Pelo contrário, ele assegura algo que é valoroso para os  verdadeiros cristãos: o valor da vida e o respeito ao outro. Quem fala o  contrário fala por má-fé, porque não quer ver seus espaços de poder  ameaçados.
   Bolsonaro é a caricatura de um deputado  nostálgico de tempos sombrios de ditadura e repressão às liberdades. Às vezes  penso que nem ele acredita no que diz.
 ÉPOCA – O deputado Bolsonaro diz que o  material incentiva a homossexualidade.
Wyllys –  Bolsonaro é a caricatura de um deputado nostálgico de tempos sombrios  de ditadura e repressão às liberdades. Às vezes penso que nem ele acredita no  que diz. É mais para produzir um efeito midiático e despertar o que há de pior  nas pessoas para ter ganho eleitoral. Ele faz uso da ignorância popular e dos  preconceitos que são reproduzidos e dos quais as pessoas não se livram  exatamente porque não há um projeto sério que radicalize na defesa dos direitos  humanos no país. 
ÉPOCA – Como avaliou o material do kit  Escola Sem Homofobia?
Wyllys – O material cumpre a  função a que se propõe. Ao contrário do que alguns deputados de orientação  evangélica têm falado, cumpre muito bem o que se propõe sem ferir brios, sem  ferir a moral. É um material muito bem elaborado que contribui para construir  uma cultura livre de direitos humanos e diversidade na orientação sexual nas  escolas, que é hoje o espaço privilegiado de reprodução da homofobia. 
ÉPOCA – Como o material vai mudar essa  realidade?
Wyllys – Ele é destinado aos formadores  de opinião dos alunos, aos monitores e professores. Hoje o bullying e a  homofobia são praticados largamente pelos alunos, mas também pelos professores  que não reconhecem outras sexualidades que a heterossexualidade. Quando  reconhecem, é sempre numa perspectiva de discriminação, de algo menor. Por  exemplo, os professores de ensino médio tem uma dificuldade enorme de lidar com  as transexuais e travestis. Não deixam que usem o nome social e, quando usam,  transformam em objeto de injúria – o que faz essas alunas abandonar a escola. Os  professores não sabem lidar com os alunos afeminados, que fogem dos papéis de  gênero definidos pela sociedade.
Eu fui um menino que fugia das normas. Não  curtia futebol, das brincadeiras de briga. Eu gostava de desenhar e de ler e por  isso eu sofria muito e não era protegido pelos meus professores. Muito pelo  contrário, eu era constrangido a me enquadrar naquele modelo ali. 
ÉPOCA – Alguma vez o senhor sofreu  violência por parte dos professores?
Wyllys –  Violência física não, mas simbólica constantemente. Os professores  sempre me constrangeram. Eles diziam ‘tome jeito de menino’. Só não sofria mais  porque era um excelente aluno. O material do projeto Escola sem Homofobia incide  no imaginário desses professores, sensibiliza-os para outras realidades.  Principalmente os vídeos que dramatizam as histórias de vida. Em um país como o  nosso, em que a telenovela tem papel preponderante na formação das mentalidades,  a dramatização das histórias das vítimas da homofobia é fundamental para  sensibilizar o professor para essa outra existência violentada permanentemente.
Além disso, tem um material escrito que explica o que é identidade de gênero  de maneira didática. Para que as pessoas compreendam, por exemplo, que existem  pessoas como as transexuais e que a maneira delas se perceberem não está de  acordo com o que a natureza lhes deu. A saúde psíquica dessas pessoas depende da  aceitação do outro. O professor tem que entender que existem diferentes  orientações sexuais e que o papel de gênero do menino pode ser dilatado. Quem  foi que recebeu um fax dos céus dizendo que menino se comporta dessa e não  daquela maneira? Que tem que gostar dessa ou daquela cor? A escola tem que ser  um campo aberto para a pluralidade de comportamentos e existências.
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Jair Bolsonaro: "Vamos fazer de tudo para enterrar"
 Capitão do Exército, o deputado não reconhece a legitimidade da discussão  sobre direitos dos homossexuais
 
 ÉPOCA – 
Como vê a criação da Frente  Parlamentar pela Cidadania GLBT? Jair Bolsonaro – O primeiro passo para  desgraçar um país é mexer na célula da família. Eles vão atacar agora o ensino  fundamental, com o “kit gay”, que estimula o “homossexualismo” e a  promiscuidade. Tem muito mais violência no país contra o professor do que contra  homossexuais. Quando eles falam em agressões, é em horário avançado, quando as  pessoas que têm vergonha na cara estão dormindo. A regra deles é a porrada e  querem acusar nós, os normais, os héteros. 
ÉPOCA – O senhor não teme estimular a  violência com essa retórica? 
Bolsonaro – Negativo.  Só quero que a opção sexual se revele na intimidade do quarto, não obrigar um  padre a casar um gay. O bigodudo vai dar um beijo na boca do careca, na frente  dos convidados, e isso é legal? 
ÉPOCA – 
Como vai ser o diálogo com o  deputado Jean Wyllys? Bolsonaro – Vou ter atrito  com ele no campo das ideias e dos projetos, que vamos fazer de tudo para  enterrar nas comissões. Se depender de mim, e de muitos outros, não vai para a  frente. Em nome da família e dos bons costumes. Eles vão querer o quê? Vamos  colocar um espanador na orelha? Vão vender os serviços de “homossexualismo”  deles, é isso?
ÉPOCA – Se a homofobia virar crime, o  senhor vai parar de criticar os gays? 
Bolsonaro –  Tenho imunidade para falar. Não vou medir palavras. Eu defendo a pena  de morte, que é mais grave que criticar homossexual. O pessoal me chama de  retrógrado, dinossauro, mas a verdade é que o Brasil está piorando desde o fim  do regime militar. 
ÉPOCA – O kit contra homofobia nas  escolas não é importante para reduzir a violência contra os alunos  gays?
Bolsonaro – Não tem nada a ver. Ele está é  estimulando o homossexualismo e a promiscuidade. Dependendo do público que você  permite a informação, vai deturpar. Nesse kit, consta três filmetes, um deles é  o “Encontrando Bianca”. A história é esquisita. É um menino, que pinta as unhas,  que quer ser chamado de Bianca, que quer frequentar o banheiro feminino. E no  final ele passa a ser uma referência na escola. Eles alegam que é da 5ª série em  diante, mas não tem como você botar uma linha porque os prédios são de 1ª à 9ª  série, como vai dizer que aqui só pode ver quem está na 5ª série para  cima?
ÉPOCA – Qual é o problema do  filme?
Bolsonaro – É um estímulo ao  homossexualismo. É uma porta aberta para a pedofilia. Você vai aguçar a  curiosidade dessa molecada numa idade muito precoce. Acho que a garotada vai  para escola para aprender matemática, língua portuguesa, história e, se  possível, um pouquinho de educação moral e cívica, que hoje não existe  mais.
ÉPOCA – Em discurso, o senhor disse  que “se um garoto tem um desvio de conduta (de orientação sexual), ele  tem que ser direcionado para o caminho certo. Nem que seja pelas palmadas”. O  senhor não teme estimular casos de violência dentro de casa, que podem levar a  agressões físicas graves e até a morte?
Bolsonaro –  Essa política de defender o coitadinho já está aí desde que o  Figueiredo saiu e olha como está a situação da educação no país hoje em dia. O  professor tem preocupação de dar nota baixa porque ele pode apanhar do aluno. No  meu tempo, os meus colegas tinham medo de comentar nota baixa com os pais. Eu  não quero abrir mão de dar umas palmadas na minha filha se preciso for. Tem um  projeto de lei criminalizando isso aí. O espancamento, que é uma lesão física,  está previsto em lei que você não pode, é crime. Mas, quando um filho nosso  começa a ter desvios, ter comportamento violento, você pega uma cinta, dá três  lambadas e ele se endireita. E se você pode direcionar o comportamento  agressivo, porque não o comportamento delicado demais? Eu tenho pavor, Deus me  livre um filho meu começar a entrar para esse lado de ser delicado  demais.
ÉPOCA – O senhor acha que falar mal de  gays publicamente é um direito?
Bolsonaro – Qual o  problema? Eu vou continuar criticando porque eles querem ser uma classe de  primeira categoria. É o plano do Projeto de Lei 122 [que criminaliza a  homofobia] que está no Senado. Se aprovar aquele projeto e um dia eu tiver que  aprovar alguém comissionado, eu já nem pego o funcionário se perceber que joga  no outro time. Isso porque, na hora de ser mandado embora, você nunca sabe o que  ele vai alegar. Olha que absurdo, numa escola, dois moleques de 16 anos começam  a trocar beijos e, se o diretor advertir, começa com três anos de detenção. Quer  dizer, começa com “kit gay” na escola, uma proibição como do PL 122, mais a lei  da palmada, esse país vai virar terra de ninguém.