Cauã Reymond surge irreconhecível no clipe de “Your armies”, novo trabalho de Barbara Ohana. Também pudera: o galã despiu-se de sua masculinidade e, de salto alto, corset de renda e peruca loira, encarnou a travesti Clara no vídeo, dirigido por Allexia Galvão e Daniel Rezende, indicado ao Oscar pela montagem de “Cidade de Deus”. Para dar vida à travesti que é espancada por um homem com quem flertou em um show e se vinga de forma poética, o ator precisou ficar dois meses sem malhar para atenuar os músculos: “Passei as férias andando de salto pela casa para aprender”. E não só. Sua transformação também contou com a ajuda de Marie Salles, figurinista de “A regra do jogo”, e do maquiador Max Weber, que já cuidou de tops como Naomi Campbell e Cara Delevingne. O orçamento do clipe, gravado em abril em São Paulo e lançado neste domingo no site do GLOBO, saiu dos bolsos dos envolvidos, inclusive do de Cauã, que fala sobre o trabalho.
Como se preparou para o papel? Quem te inspirou?
Na época da pré-produção, “Garota dinamarquesa” (filme estrelado por Eddie Redmayne sobre a vida da primeira transexual a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo) estava em cartaz, mas eu não quis assistir porque a compleição física do Redmayne é muito diferente da minha. Quando vou criar um personagem, não gosto de ver nada que tenha alguma semelhança de energia com o que eu vou fazer. Mas sempre adorei a atuação do Johnny Depp em “Antes do anoitecer”, com o Javier Bardem. Sempre gosto de ver atores se desafiando. E a ponta que ele faz, como um tenente que se traveste na prisão, é tão tocante... Num espaço tão pequeno, ele faz uma coisa tão rica, é um personagem silencioso, que trabalha com a sensação. Foi o que eu tentei fazer com a Clara.
Quais foram as referências para o clipe?
Trabalhamos com algumas referências, como o clipe de “Pass this on”, do Knife, e eu vi uns outros clipes, como “We exist”, do Arcade Fire. Mas, na verdade, busquei me espelhar no gestual de algumas pessoas que eu conheço, e que tinham a ver comigo, com o meu físico, com a minha onda. Trouxe a (preparadora de elenco) Andréa Cavalcanti para o projeto, e fiz um trabalho bem bacana com ela. Já na reta final de “A regra do jogo”, parei de malhar por uns dois meses para perder os músculos. Apesar de magro, sou um cara de estrutura larga e tentei suavizar meus traços ao máximo. Nas férias também andei todo dia de salto alto em casa, fazia tudo o que tinha que fazer de salto, senão como ia chegar nas gravações e andar com aquele salto 10? Também precisei me acostumar com a peruca. Foi uma experiência muito rica, principalmente para suavizar meu gestual, porque eu sou um cara mais bruto.
Clara não é seu primeiro papel LGBT, certo?
Não. Fiz um trabalho no “Estamos juntos” (filme de 2011) , que foi pouco visto, mas muito premiado, e minha atuação como o Murilo, um personagem gay, foi muito elogiada. Mas Murilo era muito diferente da Clara, que é travesti. Busquei entender internamente como era essa personagem, tentei não fazer igual ao Murilo. Tentei transmitir delicadeza, porque é um assunto muito importante. Espero que a gente realmente consiga passar uma mensagem dessa luta contra a intolerância, porque infelizmente esse clipe está saindo num momento muito oportuno, o que só reforça a mensagem. As pessoas precisam aprender a respeitar as diferenças, independentemente da orientação sexual, religiosa, política. Precisamos respeitar o espaço alheio.
Muitos atores heterossexuais foram criticados por interpretar transgêneros, caso do Jared Leto, que venceu um Oscar pelo “Clube de Compras Dallas” e do próprio Andrew Garfield, que fez o clipe do Arcade Fire. Você não ficou preocupado?
Não. Eu sou ator. Essa é a minha profissão, é o meu ofício, viver personagens interessantes é o que me faz entrar num projeto. Vou pelo desafio artístico. Com os personagens, a gente consegue entender um pouco mais sobre as pessoas, e isso é a coisa mais bacana da minha profissão, o que me enriquece como profissional e como indivíduo. Se eu for criticado, eu vou entender, mas eu trabalho com ficção, e se um ator não puder se transformar e buscar trabalhos desafiadores, vai ficar tudo muito monótono. A bandeira que defendemos é a mesma. A beleza que a gente está propondo é a aceitação do que é diferente para cada um e o respeito.